top of page

O que é esse tal de Borderline?

Atualizado: 27 de nov. de 2023

Para quem abre o Google e digita "transtorno de personalidade borderline", muito provavelmente vai entrar em contato com o famoso DSM-V e suas mais de 900 páginas. Para quem tiver interesse em uma cópia física, não serei eu a atrapalhar sua vontade. Pegue-a aqui no link (o mais barato que achei): 🔗

Capa de livro azul escuro escrito manual diagnóstico e estatístico de transtorno mentais, quinta edição, DSM-5, American Psychiatric Association, editora artmed
Capa DSM-5

Em resumo, dos sintomas descritos no DSM, é classificado com transtorno de personalidade borderline quem apresenta 5 ou mais características da lista a seguir - que, sim, foi um CTRL C / CTRL V do manual:

  • Esforços desesperados para evitar o abandono (real ou imaginado)

  • Relacionamentos intensos e instáveis que se alternam entre idealização e desvalorização da outra pessoa

  • Autoimagem ou senso do eu instável

  • Impulsividade em ≥ 2 áreas que pode prejudicá-los (p. ex., sexo inseguro, compulsão alimentar, dirigir de forma imprudente)

  • Comportamentos, gestos e/ou ameaças repetidos de suicídio ou automutilação

  • Mudanças rápidas no humor, normalmente durando apenas algumas horas e raramente mais do que alguns dias

  • Sentimentos persistentes de vazio

  • Raiva inadequadamente intensa ou problemas para controlar a raiva

  • Pensamentos paranoicos temporários ou sintomas dissociativos graves desencadeados por estresse

Esses sintomas também precisam ser vistos no final da adolescência / início da fase adulta.


O que pega muito nos manuais como o DSM é a dificuldade de medir as características descritas no transtorno. Por exemplo, o que seria um esforço desesperado para evitar o abandono? Chorar já é desespero? Impedir que alguém saia de casa já é desespero? Quantas vezes e com quantas relações? Entra no critério de desespero? Percebe que, dependendo da história de vida de cada médico/psicólogo, "desespero para evitar abandono" pode ser diferente. Isso sem contar que também pode variar de acordo com a cultura; há culturas que entendemos como mais sentimentais e extravagantes em suas reações e outras como menos intensas... Logo, uma pessoa da cultura menos intensa poderia achar exagerada a reação de alguém da cultura extravagante, sendo que para quem estava reagindo ela estava normal. 🇮🇹 🇯🇵

"Ah, você está dizendo que o DSM não é bom?" Não é isso, estou afirmando que ele é o início do processo de investigação. Tanto o que o DSM possui uma aba de diagnósticos diferenciais para fazer com que quem leia questione essa lista de sintomas.


Os estudos para entender como medir o transtorno, como dizer que alguém tem ou não tem, estão sempre em evolução.

gato em um sofá que vai entrando pela sala, que só tem a luminária e o chão quadriculado, após o sofá chegar a sala o menino senta e uma espiral colorida vai surgindo no meio da tela
Gif Castelo Ra Tim Bum

Inclusive, senta que lá vem um momento de curiosidade: a primeira descrição parecida com o transtorno de personalidade Borderline foi um transtorno detalhado a adolescentes somente, chamado hebefrenia e heboidofrenia, ambos eram descritos como transtornos reacionais à interação social, o primeiro diferenciando do segundo por conter sintomas de alienação (Dalgalarrondo, Vilela, 1999). Isso em 1871. Lá em 1921 se extinguiu esse termo, por ter percebido os sintomas em adultos e foi compreendido como uma esquizofrenia ambulatorial. E em 1938, Stern, psicanalista, utilizou pela primeira vez o termo Borderline, descrevendo como regressão intensa dos pacientes enquanto estão em ambiente desorganizado. E debates vão, debates vêm e somente lá na terceira edição do DSM que psiquiatras, psicólogos e psicanalistas concordam que existe o Transtorno de Personalidade Borderline.

Para não ficar muito na história e olhando mais para a literatura atual, em relação aos sintomas, temos dois autores famosos na área.

Temos a Randi Kreger e o psiquiatra Paul T. Mason, os quais possuem um livro bem famoso: "Pare de Pisar em Ovos". Neste livro, ambos dividem o borderline em dois tipos: O Convencional e o Invisível.

Livro digital entitulado Pare de Pisar em Ovos, a capa parece um vidro estilhaçado, há um destaque vermelho dizendo que mais 500 mil exemplares foram vendidos
Livro Pare de Pisar em Ovos

O Convencional trata-se das características mais impulsivas, tendo comportamentos de risco que podem gerar até mesmo internações, devido às lesões que se causam. Tendem a ser pessoas que a instabilidade as impossibilita da independência, como a permanência em um emprego, ou em um curso longo como faculdade.

O Invisível, como o nome sugere, é o mais difícil de diagnosticar. Esse tipo de borderline não possui dificuldades de estabilidade, tendo geralmente empregos e títulos de estudo. Na verdade, geralmente se destacam nessas áreas. Porém incentivado pelo destaque social que essas emprego e estudo geram, a motivação está mais nas reações externas. Essas pessoas dificilmente descontam a raiva em si, como atos de automutilação ou ideação suicida, mas possuem picos de raiva ou de explosão. O desconto é mais no outro. E tende a ser os outros que são mais próximos.

Também temos as definições de Theodore Millon, o pesquisador e psicólogo dividiu o borderline em três: impulsivo, petulante e autodestrutivo.


Os Impulsivos possuem além das características descritas no DSM, características do transtorno de personalidade histriônica e transtorno de personalidade antissocial. Eexibem características sedutoras, nas quais suas ações visam colocar a si mesmos no centro das atenções, tendendo a superestimar a relevância e importância das relações, e recorrendo à mentira e a comportamentos arriscados, buscando sensações imediatas.

Os Petulantes possuem mais características de vitimização, que podem ser percebidas em atrasos frequentes, procrastinação e desinteresse. Essas atitudes são em resposta ao rancor. Trata-se de pessoas com dificuldade de interpretar erros dos outros, que o atingiu, de uma maneira que não tenha sido proposital.

E por fim, o borderline Autodestrutivo. O nome já direciona: automutilação e tendência suicida na certa. São casos que comumente são confundidos com Transtorno Depressivo Maior. A característica para essa hipótese diagnóstica é a paralisação e a ruminação frente aos problemas, ou seja, o reclamar por reclamar, sem aceitar sugestões de mudança.

Este texto teve foco principal nos sintomas. Mas também, para não fazermos igual muitos fazem aqui, de pesquisar uma dor de cabeça com enjoo e suspeitar na mesma hora de câncer ou gravidez. Ler sintomas sem contexto é furada. É se maltratar. A ciência da saúde mental está sempre em investigação. O DSM é o consenso dos últimos anos, e ele é um resumo, uma forma de saber que do Japão à Bolívia estamos falando a mesma coisa. Os demais autores e artigos científicos buscam olhar os detalhes, os contextos, e por isso podem haver tipos diferentes, discordância, o debate, a discordância. A ciência está em constante formação e mudança. Afinal, o tratamento de saúde mental se faz com debate.

E é por isso que aqui trouxe um livro mais da ala médica, uma autora que é formada em letras e foi se interessando pela saúde mental, um psicólogo... E o mesmo precisa ser feito com quem suspeita, com quem convive e com possui o diagnóstico de transtorno de personalidade borderline: um tratamento multi. Precisa de psiquiatra, precisa de psicólogo, assim como precisa de uma socialização que acolha as dores de ter ou conviver com esses sintomas.


Sempre tenho receio ao falar desse tema "sintomas"por, às vezes, ele trazer uma desesperança em consequência de irmos formando estigmas e estereótipos das pessoas que possuem o transtorno. Então quero dar ênfase para: olha por quanto tempo estamos estudando sobre essa temática! Não pode ser só para descrevê-la, não é mesmo? Existem muitos autores que buscam a melhora clínica, não vou dizer cura porque os contextos nunca são os mesmos e podem engatilhar atitudes antigas, mas buscando a estabilidade, a melhora de convivência com os sintomas.

Mais especificamente da minha área de atuação e estudos, temos a Marsha M. Linehan, criadora da Psicoterapia Comportamental Dialética (DBT), ela, Marsha, dedica uma vida de estudos para podermos realmente acreditar que pessoas com diagnósticos como borderline ou que estão no fundo do poço ainda podem construir uma vida que valha a pena ser vivida.

Marsha me motiva para uma psicologia que não estigmatiza, mas que alivia e traz sentido. É o que quero fazer com meu trabalho e um pouco com esses textos: há caminhos.

um túnel longo em preto e branco
Túnel

Espero que essas revisões tenham ajudado! Se você tiver mais alguma pergunta ou precisar de mais ajuda, sinta-se à vontade para perguntar.E se sentir que precisa de atendimento psicológico, entre em contato por whats: clica aqui. Referências: DALGALARRONDO, Paulo; VILELA, Wolgrand Alves. Transtorno borderline: história e atualidade. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, v. 2, p. 52-71, 1999. MASON, Paul T.; KREGER, Randi. Pare de pisar em ovos: Como agir quando alguém que você ama tem transtorno de personalidade borderline. Editora Schwarcz-Companhia das Letras, 2013. MILLON, Theodore. Sociocultural conceptions of the borderline personality. Psychiatric Clinics of North America, v. 23, n. 1, p. 123-136, 2000.

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page